Teorema da utilidade do dinheiro novo

O teorema da utilidade do dinheiro novo demonstra que nem todo novo dinheiro que surge no mercado, mesmo que tenha características comprovadamente melhores que os existentes, será mais útil que eles.

Não interessa se ela é coroa 
Panela velha é que faz comida boa

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Definindo um bom dinheiro

Obs.: Se você já sabe o que define um bom dinheiro, pule esta parte.

Dinheiro é alguma coisa que serve para: 1) armazenar riqueza ao longo do tempo de forma não perecível (bateria de riqueza). 2) realizar trocas diretas, sem a necessidade de ter que fazer diversas trocas intermediárias (elemento neutro).

Um bom dinheiro é aquele que atende bem os itens 1 e 2. Para atender bem o item 1, o dinheiro precisa manter ou melhorar o seu poder de compra ao longo do tempo. Uma boa “bateria de riqueza” é aquela que conserva a riqueza por mais tempo ou que tenha alguma evidência de que se valorizará no futuro. Para atender bem o item 2 o dinheiro precisa ser bastante aceito e ser adotado como padrão pelo mercado, ou pelo menos uma parte significativa dele. Quanto mais indivíduos, empresas, sociedades, nichos, comunidades etc. usarem e aceitarem o dinheiro, ou pelo menos reconhecerem o seu valor, mais fácil será fazer trocas diretas ou com poucos intermediários, pois haverá mais liquidez no mercado.

O item 2 quase que deriva do item 1. Se um grupo de indivíduos faz poupança com determinado dinheiro, ele tende a dar valor a ele e a aceitá-lo diretamente.

Vamos a exemplos práticos: no item 1, a moeda fiduciária de curso forçado (Real, Dólar, Euro e etc.) podemos chamar de “estável-” (estável menos). Ou seja: ela tende a ser estável em curto/médio prazo, porém tende a se desvalorizar ao longo dos anos e décadas. Na analogia da bateria, uma moeda fiduciária seria uma bateria que dura bem, mas descarrega ao longo do tempo, tendendo a zero. É fácil deduzir o motivo: o curso forçado faz com que seu “marketcap” seja alto, diminuindo a volatilidade, porém a impressão desenfreada pelo Estado que a controla faz com que ela perca valor ao longo do tempo.

Já o ouro seria “estável+” (estável mais). Ou seja: tende a ser estável em médio prazo mas tende a se valorizar com o tempo. É como um bom vinho bem armazenado. A estabilidade do ouro se dá pelo seu grande “marketcap”. Apesar de não ser aceito em cada esquina, uma parte significativa do mercado utiliza e dá liquidez ao ouro, garantindo uma estabilidade mínima. A tendência de se valorizar com o tempo se dá pelo motivo oposto da moeda fiduciária: não é possível imprimir ouro (apesar de ser possível falsificar papel de ouro [1]).

O Bitcoin podemos dizer que é “volátil++” (volátil mais mais). Na analogia da bateria, seria como uma bateria que pode “pifar” a qualquer momento, ou perder metade da capacidade de repente, porém ela possui algum tipo de turbo que – se ela não morrer no curto prazo – provavelmente valorizará muito no futuro. Ele é volátil em curto prazo pois seu “marketcap” é relativamente muito pequeno. Apenas um grupo de pessoas bastante especializadas confiam e utilizam o Bitcoin para poupar. Apesar disso, ele tem um potencial de se valorizar ainda mais que o ouro, justamente por valer muito menos e ter uma característica que corrige um problema grave do ouro e importante nos dias atuais: o da portabilidade [1].

Cenário absurdo

newPara resumir bem o teorema, vamos extrapolar para um cenário absurdo: vamos supor que exista apenas o dinheiro A, que ele é nota 10/10 nos itens 1 e 2 explicados no cap. anterior. Ele é amplamente aceito no mercado, e todo mundo confia e faz poupança dele; e ele sempre mantém o poder de compra ou se valoriza ao longo do tempo. Vamos supor também que A é um metal. O metal mais nobre, com características físicas excelentes e bastante escasso. – Todos estão felizes até que… Algo melhor surge no mercado! Alguém descobre um novo metal B que tem algumas características físicas ainda melhores. O mercado opta por trocar de forma massiva A por B.  O que vai acontecer com A? A vai tender a zero e quem trocar primeiro A por B sairá na frente, quem chegar atrasado vai sobrar com um mico nas mãos.

Quem armazenou muita riqueza em A certamente vai ficar um pouco aborrecido porque nessa “corrida” pode ter chegado atrasado por acaso e ter perdido poder de compra durante a troca. Eventualmente alguns sortudos que não armazenaram A mas compraram B rapidamente quando ainda valia pouco ficarão felizes. Legal! Agora temos os novos nobres da sociedade. Mas, todos estavam se acostumando com o novo cenário até que… Ops, descobriram o metal C! Poxa, mas C é absurdamente melhor que B. O mercado novamente opta por trocar B por C de forma massiva. Mais uma vez, uma corrida que se tornará injusta e que punirá quem poupou e beneficiará quem for mais rápido. E aí surgem D, E, F, G, H etc. Depois de um tempo nesse cenário, qual vai ser o incentivo de alguém poupar H se ele sabe que vai surgir I, J, K, L? Num cenário hipotético assim seria impossível existir um bom dinheiro pois o item 1 nunca seria satisfeito.

O que realmente acontece

O que acontece na prática é que, para que o item 1 seja satisfeito e um dinheiro seja útil, a característica TRADIÇÃO no dinheiro se torna importante; muito mais importante as vezes que outras características. Tradição no dinheiro é: ele funciona, atende bem as necessidades, os itens 1 e 2. Só vou trocá-lo se valer muito a pena o risco. Se ninguém pensasse dessa forma teríamos o fenômeno explicado no cap. anterior e um monte de dinheiro inútil no mercado.

É bem simples visualizar isso na realidade de hoje: excluindo a bizarrice da moeda fiduciária que tem um curso forçado por lei (força física, com backup nas Forças Armadas), por que será que o Bitcoin não ultrapassa o valor do ouro instantaneamente, ou de forma rápida numa corrida maluca e desenfreada ao Bitcoin? O Bitcoin é notavelmente superior em dois pontos muito importantes: 1) É a prova de confisco. 2) É portável [1]. Mesmo assim, o mercado resiste bastante em trocar ouro por Bitcoin. E isso poderá levar mais de uma geração para acontecer! Você provavelmente estará morto quando isso ocorrer (a não ser que você esteja lendo um artigo muito antigo agora).

O mundo do dinheiro é diferente do mercado padrão de produtos e gadgets. Quando algo novo e mais barato surge por aí, ele é trocado numa velocidade incrível. Quem hoje tem televisão de tubo? Quem hoje usa velas para iluminar a casa? Quem anda de cavalo ao invés de carros? No mundo do dinheiro isso simplesmente não pode ocorrer pois a confiança no dinheiro acabaria se soubéssemos que na semana seguinte surgiria outra forma de armazenar riqueza e que ela seria adotada de forma rápida pelo mercado.

O Bitcoin só conseguiu sair do valor zero após um longo ano arrastado, porque foi uma quebra de paradigma muito grande. Uma inovação tão grande quanto a própria Internet. Dinheiro digital. Leve, portável, escasso, independente, a prova de confisco etc. Isso simplesmente não existia até então. Levou séculos para que surgisse no mercado algo realmente inovador, que fizesse algumas pessoas trocarem o seu brilhante ouro por um invisível Bitcoin. A inércia é muito grande.

E, quando surgiu o Bitcoin, alguns desbravadores [2] fizeram uma “mini corrida” que fez o seu preço levantar do zero para “alguma coisa relevante”. Uma segunda geração de desbravadores fez o seu preço dar um salto ainda maior. E mesmo depois de conhecido por praticamente metade de toda a população mundial, seu valor é muito menor que o do ouro.

Mas o dinheiro digital tem um “problema”: aquele cenário absurdo que provou a importância da tradição (cap. Cenário absurdo) é mais fácil de acontecer por um simples motivo: além de dinheiro, o dinheiro digital também é um software. E software tem essas características interessantes: 1) evolui rápido; 2) é fácil de copiar / colar. Por que não copiar / colar e evoluir? Ao invés de evoluir o que já existe, não seria mais lucrativo copiar a ideia e fazer uma versão melhorada? E é aí que os altcoiners atrapalham a evolução do Bitcoin: ao invés de focar energia na maior invenção que provavelmente você vai ter visto em vida, ficam desviando a atenção para evoluções mínimas, irrelevantes e que não vão melhorar o item 1 e 2 (cap. Definindo um bom dinheiro).

Mesmo num cenário onde é mais fácil que surjam dinheiros com características diferentes quase que diariamente, essas características dificilmente serão suficientes para gerar um mercado suicida que trocará diariamente toda sua riqueza já armazenada e que valoriza como um bom vinho, com esperança de valorização a longuíssimo prazo, por alguma coisa nova no mercado que apenas promete ser melhor. Tomar essa atitude irracional seria mergulhar num cenário absurdo onde criptomoedas não serão mais confiáveis para armazenar riqueza no longo prazo, sendo totalmente descartáveis para o propósito 1 e 2.

Além de tudo que foi dito, há uma prova simples que tradição é realmente importante, mesmo no mundo das criptomoedas onde tudo é muito recente: se a gente clonar o Bitcoin agora e criar o Bitcoin Catuaba ele terá as mesmas características do Bitcoin exceto: tradição, confiança prévia de outras pessoas no Bitcoin e mercado consolidado. São essas características que fazem o Bitcoin ser mais útil.

Sinto muito, sua altcoin preferida é inútil perto do Bitcoin.

Bitcoin vs Blockchain

Bitcoin mau, Blockchain bom. Esse mantra vem se repetindo desde a invenção do Bitcoin, principalmente pela boca de grandes corporações, bancos, governos e altcoiners. Essa afirmação, de fato, não está tão errada. Mas ela poderia ser melhor escrita assim: Bitcoin mau [para os bancos, governos, grandes corporações, altcoins etc.] e Blockchain bom [porém inútil].
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Alguns também afirmam que o Blockchain foi a grande invenção do século, e não o Bitcoin. Outros dizem que o Bitcoin é apenas uma pequena aplicação do Blockchain. Tudo errado e eu vou explicar o motivo neste artigo.
Antes de tudo, vamos analisar o histórico: o termo Bitcoin veio antes do termo Blockchain. No paper original do Bitcoin, Satoshi dizia apenas “chain of blocks”. O termo Blockchain, assim tudo junto e como nome próprio, surgiu depois. O Bitcoin é uma junção de várias tecnologias conhecidas até então. O Hashcash, por exemplo, é uma delas. A cadeia de blocos também, é apenas um detalhe de implementação. Foi apenas uma forma de tornar o Bitcoin realidade, mas o fim buscado sempre foi o Bitcoin, ou melhor, um “The Digital Asset”.
Você poderia dizer: Ah, mas o Bitcoin é apenas uma moeda específica, um subconjunto do Blockchain. Com o Blockchain é possível diversas outras aplicações, inclusive outras moedas! — Mas, se você parar para pensar um segundo, verá que na realidade o Bitcoin é “a moeda digital” que tem o potencial de alterar a economia mundial e impactar em todas as áreas. É o dinheiro digital distribuído, à prova de censura, à prova de agressores. O Bitcoin deve ser resistente ao ataque de quem? Quem tem o interesse em derrubar um dinheiro digital distribuído, totalmente independente do sistema financeiro atual? Sistemas e instituições muito poderosas. — E o Blockchain? O que pode ser feito com ele? Talvez algumas novas altcoins que servem apenas para tentar diminuir a escassez dos tokens já existentes? Talvez alguns registros de propriedade intelectual? Quem tem o interesse em derrubá-lo? Ninguém. Então, por que isso seria realmente útil? Quase tudo que é feito com o Blockchain (exceto o Bitcoin) poderia ser feito de outra forma antes, com uma base de dados centralizada ou mesmo semi-distribuída.
E, se ao invés do Blockchain, o Bitcoin tivesse utilizado outra tecnologia para ser construído? Essa outra tecnologia seria a grande revolucionária no lugar do Blockchain? Uma analogia que eu acho interessante é a de que o Blockchain está para o TCP/IP assim como o Bitcoin está para a Internet. Alguns podem afirmar que a Internet não seria possível sem o TCP/IP. Porém, eu digo: sim, a Internet seria possível se não fosse o TCP/IP. Provavelmente ela seria possível através de outra tecnologia equivalente ou semelhante. A Internet era inevitável. Assim como a “Internet do Dinheiro” (o Bitcoin) era inevitável. A relevância do TCP/IP, apesar de hoje ser quase toda a base da Internet, é quase nula perto da relevância da Internet em si. O que é possível fazer com o TCP/IP além da Internet? Talvez uma LAN House para jogar Counter Strike? Uma Intranet de uma empresa? O que é isso perto de uma rede mundial de computadores? Se não fosse o TCP/IP, outra coisa serviria de base para a Internet. Se não fosse o Blockchain, outra coisa serviria de base para o Bitcoin.
Bitcoin é a real inovação. Um asset escasso, puramente digital, distribuído e à prova de qualquer tipo de agressor.

Investir ou recomendar altcoins é masoquismo

A não ser que o seu objetivo sincero e honesto seja destruir – em médio e longo prazo – ou atrasar o desenvolvimento do mundo crypto (dinheiro digital privado descentralizado) e também distorcer o seu propósito inicial, vou provar neste artigo que investir ou promover altcoins é puro masoquismo e, eu diria, até irresponsabilidade. Pretendo também rebater as propagandas mais comuns dos altbugs, e agora uma nova categoria: forkbugs.

Como shitcoins aparentam ser para os bitcoin bugs.

Fazia tempo que estava querendo escrever este artigo, pra encerrar de vez qualquer dúvida que alguém tenha eventualmente sobre o assunto. Muitos irão, de forma depreciativa, tachar-me de “Bitcoin maximalista” ou até mesmo de “xiita”, como chamou João Paulo de Oliveira em seu vídeo “[opinião] Devo investir em bitcoin cash?” aqueles que acreditam que o BCash é um ataque à rede do Bitcoin. Aliás, esse vídeo, e também muitos comentários bastante equivocados que andei vendo ultimamente nas comunidades de Bitcoin e crypto me motivaram a não adiar mais a escrita deste artigo, que se faz bastante necessária para a clarificação do óbvio diante de tanta propaganda infundada.

Consequências de um investimento

Antes de aprofundar no assunto, gostaria de explicar que nenhum investimento é inofensivo. Todo investimento, e toda troca, tem uma consequência. Essa consequência pode ser boa para si, mas pode ser ruim para o outro, ou pode ser ruim para todos em longo prazo, ou pode ser boa para todos, e assim por diante. Darei exemplos a seguir.

Entendendo isso, talvez fique mais clara a minha preocupação com o “investimento alheio” já que muitos irão argumentar: “o dinheiro é meu, eu faço o que quiser com ele” ou então a ladainha de que “isso é livre mercado, você é contra o livre mercado?”. Eu sou a favor do livre mercado, mas sou contra a ignorância e propagação de informações falsas. Sabendo que há uma responsabilidade envolvida, um investimento ou até uma comunicação influente deixa de ser algo aparentemente inócuo, como muitos gostariam que fosse, para uma ação que pode trazer sérias consequências em médio e longo prazo. Não só para si, mas para todos.

Toda troca entre qualquer produto, bem, ativo ou serviço sinaliza que cada parte envolvida considera, naquele momento, que a troca está sendo vantajosa para ela. Se isso não fosse verdade, a troca não ocorreria. Muitas variáveis influenciam no “preço” de cada coisa, entre elas: a procura e escassez (demanda e oferta), a preferência temporal, entre outras. Uma grande procura a um produto escasso faz com que o seu preço de mercado aumente.

O Fabuloso Queijo da Vaca Mimosa

Queijo da Vaca Mimosa

Imagine que João fabrica um queijo especial, com o leite da famosa “Vaca Mimosa”, e que sua produção é de apenas um queijo por mês, e o seu custo total de produção é de apenas R$ 3,00. E agora imagine que o único interessado no tal queijo da Vaca Mimosa é Paulo. Paulo oferece R$ 50,00 pelo queijo e, como não há mais nenhum interessado, João aceita, pega os R$ 50,00 e entrega o queijo. Paulo quer experimentar o queijo, e João visualiza fabricar mais 3 com o dinheiro recebido nos próximos três meses. Agora, imagine que além de Paulo, o Oliveira, o Eduardo, o Araújo, o Murilo e o Noguerol também querem experimentar o tal queijo. Afinal, é o famoso queijo da Vaca Mimosa. Paulo então oferece R$ 50,00, mas Oliveira oferece R$ 80,00, e o Eduardo R$ 100,00. Os outros desistem. É claro que, feliz da vida, João vai vender o queijo para o Eduardo. E assim se define o preço das coisas. Lembrando que, apesar de João não conseguir “consumir” os reais recebidos, ele está apostando que no futuro ele irá conseguir, com aqueles reais, produzir ainda mais queijos e até, quem sabe, aumentar sua capacidade de produção. Ao oferecer R$ 100,00 por um queijo, Eduardo está sinalizando ao mercado que aquele é o preço atual de mercado do queijo. Aparentemente um preço exorbitante por um queijo, porém se não fosse pago isso, provavelmente ele iria ficar sem experimentá-lo, pois o queijo é um só no mês e as pessoas interessadas são muitas. O interesse de Eduardo e sua disposição em desembolsar R$ 100,00 no queijo contribuíram para que o queijo de João ficasse ainda mais famoso. Agora, imagine que Paulo, que é pobre e não pode arcar com mais de R$ 50,00, quer o queijo de qualquer maneira, e não vê problema ético nenhum em inventar uma mentirinha (que pode até ser uma meia verdade) para denegrir o queijo de João e fazer com que a procura por ele diminua, dando uma oportunidade para ele comprar o queijo a um preço bem mais barato. Paulo então descobre que o queijo da “Vaca Mimosa” é um pouco mais calórico que um queijo comum. Pra ser mais convincente, Paulo afirma que fez testes com o queijo e descobriu que ele é 3x mais calórico que um queijo comum. Como a maioria das pessoas não vão atrás dos fatos, se Paulo é uma pessoa influente, o que ele disser seus seguidores irão acreditar. Depois de um mês seguido postando em seu twitter que o queijo da “Vaca Mimosa” é gordurento demais e faz mal pra saúde, Eduardo, natureba que é, perde o interesse pelo queijo, assim como Araújo e o Noguerol. O único que não acreditou nessa história foi o Murilo, pois ele sabe que, mesmo que fosse verdade, ser um pouco mais calórico não ia matar ninguém, e isso não diminui todas as qualidades do queijo. Agora, estão disputando no mercado apenas Murilo e o próprio Paulo. Mas Murilo não tem os R$ 50,00 que Paulo ofereceu, pode gastar só R$ 40,00. Dessa forma, Paulo leva o queijo por R$ 50,00.

Note que o Eduardo, ao oferecer R$ 100,00 pelo queijo, influenciou e sinalizou para o mercado que aquele era o valor do queijo. Eduardo não precisou dizer uma palavra. Da mesma forma, quando Eduardo perdeu o interesse, assim como os outros, eles deixaram de procurar o queijo e, também mesmo sem dizer uma palavra, influenciaram no seu preço. Já Paulo, que não podia influenciar investindo ou deixando de investir, usou sua grande influência para convencer os mais incautos. Ele também contribuiu para a alteração do preço final do queijo, mesmo que indiretamente. Poderíamos usar outro exemplo em que Paulo não estivesse diretamente interessado no queijo mas, por algum motivo qualquer, tem um interesse enorme em fazer com que o preço do queijo diminua, a ponto de não valer sua produção. Paulo poderia ser o fabricante de um queijo de pior qualidade, por exemplo, que seria concorrente direto de João. Ou ainda Paulo poderia ser um ferrenho defensor dos animais  interessado apenas em proteger a pobre Vaca Mimosa tão explorada no processo.

Outros exemplos bastante enfáticos

Investimento e influência podem não só afetar o preço das coisas como também outros fatores externos aos dos envolvidos na troca em si. Por exemplo, se alguém demanda pornografia infantil, faz com que o seu preço aumente no mercado, criando incentivos indiretos para “caçadores de recompensa” sem ética ou escrúpulos produzirem cada vez mais conteúdo. Aquele que acha que comprar pornografia infantil, ou incentivar o seu comércio, não traz consequências graves, acaba fazendo o papel de um idiota útil, contribuindo para um mundo muito pior e injusto.

Há também quem diga que entrar em esquema fraudulento de pirâmide é um “investimento”. Você investe X e pode sair com X+Y. Porém, a custas de quê? De enganar outras pessoas para entrar no esquema.

Agora que ficou bem claro que um investimento ou troca traz consequências e impacto no mercado como um todo, basta convencê-lo de que investir ou recomendar altcoins ou forks significa a auto-destruição e a tragédia dos comuns em longo prazo. Investir e recomendar alts significa atrasar ou até mesmo impossibilitar o principal propósito do dinheiro privado descentralizado: o de ser um ativo útil pra armazenar riqueza em longo prazo, livre das garras tiranas de governos ou quaisquer atacantes externos. Para que seja um ativo útil para armazenamento de riqueza, ele deve ser escasso, ter o poder de compra estável ou crescente, ser confiável e seguro. E existem algumas formas de contribuir para que o Bitcoin se torne cada vez mais útil: comprando e guardando, produzindo informação verdadeira e útil sobre o ativo, rejeitando alternativas e forks.

Quais são as consequências de investir em ou promover altcoins e forks?

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Quando falo “investir” não significa comprar um punhado de Dogecoins. Mas sim investir uma quantia significativa. Quanto mais, pior. Trocar sua Ferrari ou seu jatinho particular por Dogecoin certamente faria um estrago maior do que trocar aquelas moedinhas esquecidas em cima da sua mesa.

Possíveis consequências:

  • Mais volatilidade.
  • Menos escassez.
  • Menos segurança.
  • Menos inovação.
  • Mais desconfiança.
  • Menos liberdade.

Mais volatilidade

Ao investir em ou promover uma altcoin inédita, você contribui para que as outras cryptos que vieram antes tenham um menor marketcap. Um menor valor de mercado significa maior volatilidade, diminuindo a utilidade do ativo. Isso significa que todas as cryptos criadas depois do Bitcoin que receberam investimento significativo, fizeram com que o Bitcoin não atingisse seu potencial máximo de valor de mercado. Estima-se que, se todos os potenciais investidores crypto focassem no Bitcoin, ele poderia valer o dobro do que vale hoje e ter uma volatilidade bem menor. Quanto maior o valor de um ativo, mais difícil é mover o seu preço para cima ou para baixo.

Menos escassez

O Bitcoin surgiu inicialmente como o “The Digital Asset”™, ou seja, o único ativo descentralizado privado puramente digital disponível no mercado. Um dos motivos de sua criação foi o de ter uma oferta de moedas previsível e limitada para evitar a inflação, tão comum em moedas fiduciárias. No momento de sua criação, haviam 21 milhões de tokens digitais máximos possíveis (pra ser mais preciso são 2,1 quatrilhões de Satoshis, a menor unidade indivisível do Bitcoin). A primeira altcoin a ser criada, o Namecoin, foi criada dois anos após a publicação do paper do Bitcoin. A partir de então, até os dias de hoje, já foram criadas centenas de alternativas (1.319 com valor maior que zero de mercado, pra ser mais exato, no momento da publicação). E, na prática, qualquer um pode criar uma moeda nova a qualquer momento apenas clonando uma existente ou criando um hard fork não consensual.

Apenas criar tokens novos não faz com que o “The Digital Asset”™ atual (que representa a soma de todas as cryptos existentes) se torne menos escasso, ou que esse novo token  tenha automaticamente algum valor de mercado. Mas, se o mercado dá qualquer atenção a esses novos tokens, aí sim eles efetivamente diminuem a escassez dos demais tokens existentes. O número absoluto pouco importa, o que importa é onde a riqueza está alocada. No momento da publicação deste artigo o Bitcoin representa aprox. 56% (aproximação bem grotesca, diga-se de passagem) e isso significa que é como se não existissem somente 21 milhões de moedas, mas sim 30,24 milhões. O mercado crypto alocou 44% de sua riqueza em tokens digitais que não são os 21 milhões inicialmente criados. O mercado foi inflado e inundado com shitcoins que, infelizmente, ganharam mais atenção do que deveriam.

Mas eu espero que, com o amadurecimento do mercado, os indivíduos consigam entender que investir em alts diminui a escassez do que já existe e voltem a alocar a grande maioria da riqueza no Bitcoin. Esse movimento de “volta” já está acontecendo. A menor fatia que o Bitcoin já chegou em relação ao mercado todo foi de aprox. 38%, e agora retornou para 56%.

Como comparativo dessa proporção, o ouro possui marketcap aprox. de 7,7 trilhões de dólares, enquanto o mercado de prata representa apenas 20% disso. Não é a toa que entre os metais preciosos, um deles se destacou ao longo da história e dominou mais de 70% da preferência desse mercado para a finalidade de armazenamento de riqueza em longo prazo.

Exemplificando melhor como isso acontece, vamos imaginar uma situação hipotética onde exista apenas o token A com 1.000 moedas no mercado de tokens. O mercado de tokens aloca então 100% de US$ 1.000,00 nesse token. Sendo assim, cada token vale US$ 1,00. O token B então é lançado, do nada, valendo US$ 0,00. Alguém decide então trocar 1 token A por 10 tokens B. O token B passa a valer então US$ 0,10, totalizando US$ 100 (todos os tokens B). Sendo assim, o mercado de tokens de US$ 1.000,00 passa ter alocado US$ 900,00 em A e US$ 100,00 em B. Note que A perdeu valor porque surgiu uma alternativa, uma concorrente direta, em que o mercado não desprezou.

Menos segurança

Eu já ouvi de altbugs que a proliferação de alts contribui para uma descentralização do mundo crypto. Essa visão está totalmente equivocada. Pelo contrário, uma nova alt que recebe atenção do mercado contribui para que todas as cryptos anteriores se tornem mais centralizadas e menos seguras. Esse tipo de descentralização é tudo que os governos tiranos querem. Já ouviu falar em “dividir para conquistar”? Uma forma muito eficiente de enfraquecer o inimigo é fortalecendo seus principais concorrentes.

Imagine o seguinte cenário: existem 300 nós de Bitcoin, 100 PHz de poder computacional direcionado à rede e 300 usuários. Imagine agora que a propaganda dos altbugs funcionou e o mercado diluiu toda a riqueza e atenção igualmente entre todas as 100 cryptos disponíveis. O resultado disso? 100 cryptos com 3 nós cada uma, com 1 PHz de poder computacional e 3 usuários cada. Qual cenário parece mais frágil? Obviamente o cenário das 100 cryptos igualmente fracas é catastrófico, seria o pior cenário possível. Seria muito fácil destruir as 100 cryptos com 3 nós, 1 PHz e 3 usuários cada do que 300 nós de uma crypto com 100 PHz e 300 usuários. Note que o Bitcoin já é de natureza descentralizada, portanto é correto afirmar que quanto mais nós, mais usuários, mais riqueza alocada, mais descentralizado e forte ele se torna. E é errado afirmar que realocar riqueza para alts gera algum tipo de descentralização. Pelo contrário, gera divisão e enfraquece todos.

Menos inovação

Talvez um dos principais argumentos dos altbugs é o de que as altcoins são necessárias para trazer inovação. Embora isso possa ser verdade, em parte, é necessário se atentar para dois fatos importantes: 1) a real inovação, ou seja, o abismo tecnológico, se deu na criação do Bitcoin. A alternativa para os que queriam fugir do controle e inflação estatal, ou seja, das velhas moedas fiduciárias, eram apenas o ouro e metais preciosos. Mas o Bitcoin surgiu para corrigir um bug importante do ouro. Essa é a inovação que importa e que realmente faz diferença na vida das pessoas. As inovações de alts, embora algumas realmente interessantes, não chegam nem perto do tamanho e importância da inovação do Bitcoin. 2) não é necessário que uma alt receba tanto investimento para que prove alguma possível inovação.

Muitas inovações importantes no Bitcoin, como soluções criativas em second layer, acabam sendo atrasadas devido ao desvio de foco e às promessas milagrosas de alts.

Mais desconfiança

Muitos altbugs argumentam que o Bitcoin é como o MySpace e será inevitavelmente superado por uma tecnologia melhor. Eles só esquecem que o Bitcoin não é uma rede social, mas sim um dinheiro. Imagine que, a cada mês, surgisse uma nova crypto que superasse tecnologicamente (mesmo que a inovação seja mínima ou irrelevante na prática, como é em 99,9% dos casos) e o mercado realocasse toda a sua riqueza para essa nova crypto, abandonando a anterior. Se isso fosse um fato e sempre acontecesse de forma recorrente, em qual crypto você investiria? Eu: em nenhuma, nem mesmo no Bitcoin.

Se eu soubesse que o mercado iria optar por uma outra alternativa no mês seguinte, eu jamais iria guardar alguma coisa sabendo que ela iria perder valor. Isso geraria desconfiança no mercado e criaria um efeito bola de neve em que, no fim, nenhuma crypto teria valor algum, ou nenhum valor relevante na economia mundial. Por esse motivo, a tradição do dinheiro, tão aplicada em ativos milenares como o ouro, é importante. Uma propriedade do dinheiro muito importante é a tradição e confiança. Não é a toa que o Bitcoin tem ainda somente 1% do mercado do ouro, mesmo sendo uma tecnologia muito superior e corrigindo um bug importantíssimo do ouro. E, sinceramente, duvido que o Bitcoin superará o ouro em valor de mercado enquanto eu ainda estiver vivo. Isso só é possível devido ao fator tradição.

Menos liberdade

Por fim, uma consequência inevitável de enfraquecer o Bitcoin é diminuir a liberdade individual. Muitos oportunistas que só querem pegar carona na tecnologia ou no preço do Bitcoin e gostariam muito de ignorar sua origem: fóruns cypherpunks. Sua definição inicial era a de um “papel moeda eletrônico”. Apesar de, em português, soar meio estranho, é exatamente isso: electronic cash, ou seja, uma analogia direta ao papel moeda, só que puramente digital.

Quem promove alts é inimigo da liberdade.

 

Toda altcoin é ruim? Altcoin não deveria existir?

Não, nem toda altcoin é prejudicial. Só não deveriam receber tanta atenção do mercado. A demanda de alts deveria ser bem menor do que é hoje. Seu valor está inflado por propagandas ostensivas e desonestas. Isso mudará com o tempo e educação.

Eu acho que é importante que existam algumas alternativas fortes no mercado como backup do Bitcoin. Assim como a prata foi um backup importante do ouro quando o governo dos EUA declarou guerra contra o ouro.

Uma vez, o Bitcoin ficou 6h “fora do ar” por conta de um hardfork involuntário. Até que  tudo voltasse ao normal, a rede sofreu uma instabilidade. Em momentos assim, ter algum Litecoin poderia ser útil.

Conclusão

Pare de comprar tanta altcoin e atrasar ainda mais a expansão do The Digital Asset™.

HODL!

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Por que a “falta de governança” (ou imutabilidade) do Bitcoin não é um defeito mas sim uma qualidade?

Cryptomoeda (a junção de dinheiro + software) é algo novo e realmente é difícil determinar agora com exatidão (justamente por ser algo recente e não termos muito histórico para analisar) o que é mais vantajoso para armazenamento de riqueza em longo prazo: menos ou mais flexibilidade.

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Já apenas dinheiro é algo velho. Mais velho que a múmia do faraó. E sabemos que quando se trata de dinheiro, a imutabilidade é uma característica muito importante; há regras importantes como o controle de oferta (taxa de inflação), por exemplo. Pode-se dizer que o dinheiro estatal é altamente mutável comparado ao ouro, porque suas regras de oferta mudam o tempo todo e é controlada pelo governo. E, mesmo o ouro, não é totalmente imutável se pensarmos que sua oferta pode ser de repente expandida por uma nova mina de ouro, um meteoro ou um hipotético ouro artificial. Pensando no Bitcoin apenas como dinheiro (esquecendo um pouco que ele também é software como dito anteriormente), ele é muito superior às cryptomoedas mais mutáveis, como uma que está tendo um pequeno hype na comunidade brasileira por conta de um marketing invasivo e exagerado. Afinal, essas moedas mais mutáveis podem, por exemplo, alterar a oferta ou alguma regra econômica importante sob a pressão de instituições externas, ou por puro interesse dos stakeholders em algum caso específico. Stakeholders podem também, por exemplo, reverter mais facilmente transações que eles considerem prejudiciais, assim como aconteceu com o bailout do The DAO.

Já apenas o software não é tão antigo como o dinheiro, mas já tem algumas décadas. Sabemos também que o software é a todo momento ultrapassado por outro bem melhor, e a sua evolução é muito rápida. Muitos defensores de cryptomoedas mais mutáveis usam o argumento de que o Facebook praticamente matou o Orkut e MySpace, ou que o Spotify matou o Winamp, e dessa forma o Bitcoin poderia ser facilmente superado por uma moeda supostamente superior. Nesse aspecto, pode-se conjecturar que uma moeda mais mutável seja superior ao Bitcoin pois pode se adaptar com a necessidade: se aparecer alguma outra cryptomoeda capaz de fazer alguma coisa muito mirabolante, com pouco esforço essa moeda mais mutável também poderia incorporar a funcionalidade.

Tendo dito isso, há três fortes argumentos em favor do Bitcoin:

  1. Uma cryptomoeda é antes dinheiro que software. Por que digo isso? Porque o software em si é só um meio de alcançar o fim que é o dinheiro. Os requisitos de uma cryptomoeda devem responder perguntas como, mas não limitadas a:

    “Funciona bem? Eu posso transferir para qualquer lugar do mundo? Eu posso guardar em longo prazo? Tem fungibilidade razoável? Não tem inflação? É razoavelmente estável?”

    Se a resposta é: SIM para elas, então significa que o software já é adequado o suficiente. Se a resposta é NÃO, então todo o projeto já está inviabilizado e não pode mais ser considerado sequer um dinheiro ou cryptomoeda. Dificilmente alguém inventaria algo mirabolante que ultrapasse a principal inovação de qualquer cryptomoeda: o poder de ser portável e intocável por agentes externos; o poder que o ouro não tem (ver meu artigo O Bug do Ouro).

  2. Ao permitir que o software seja facilmente mutável, você corre o risco de, numa tentativa de melhorar, inserir novos bugs, bugs desconhecidos em features pouco testadas – como bem sabemos ser bastante comum em qualquer desenvolvimento de software. Não só isso como uma alteração no núcleo pode inserir características que afetem toda a economia da moeda, como por exemplo aumentar a oferta. – fazendo com que uma daquelas perguntas do item anterior corram o risco de ser “NÃO”, tornando o projeto totalmente inviável como dinheiro, fazendo então com que o seu valor caia pra algo próximo de zero ou zero em algum caso mais catastrófico.
  3. O Bitcoin não é totalmente imutável. Portanto sabemos que pelo menos os bugs críticos de segurança, que podem inviabilizar o projeto como dinheiro (resposta NÃO para alguma das perguntas do primeiro item) serão resolvidos de forma muito rápida, como já foram no passado, conseguindo consenso geral, de nós e mineradores em pouquíssimas horas (da última vez foi aprox. 6 horas de instabilidade na rede, sem afetar hodlers de nenhuma forma).

Conclusão

O sistema de consenso adotado pelo Bitcoin que exige que praticamente todo nó participante da economia, bem como a maioria dos mineradores, atualizem o sistema para que uma nova regra no protocolo seja adotada, é uma característica que dá valor ao Bitcoin, e não o contrário.

O Bitcoin fica então mais protegido a ataques externos. Um meio de armazenar riqueza em longo prazo que não pode ser controlado diretamente por ninguém e que é portável certamente será alvo de atacantes. O núcleo não pode ser vulnerável.

Como será o Bitcoin daqui 10 ou 20 anos? Será bem parecido com o que temos hoje. As regras são bem conhecidas. Como será aquela-moeda-mutável daqui 10 ou 20 anos? Será bem melhor ou fará mudanças catastróficas? Onde parece mais seguro manter sua riqueza armazenada em longo prazo?

Por que mudei de ideia em relação a altcoins

Campinas, 1o de abril de 2017.

Eu estava tão errado! O que eu chamava de scamcoins, lixocoins ou shitcoins, eu agora amo! Idolatro.

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Antes de tudo é necessário admitir que altcoins não são concorrentes diretas do Bitcoin (The Digital Asset™) e nem ameaças ao sonho da existência de um asset digital soberano, distribuído, estável, robusto, seguro, repleto de ferramentas, carteiras, exchanges, cartões, hardware wallets, como também mundialmente utilizado e reconhecido como dinheiro. Imagina! São todas amiguinhas; de forma nenhuma quem tem Bitcoin e promove alts é masoquista. Para se ter um dinheiro digital distribuído forte e confiável é necessário saber que ele pode ser tecnologicamente ultrapassado a qualquer momento por alguma outra cópia mal feita, impulsionada por FUD [1], mentiras e que, principalmente, resolvem problemas não-problemas de facto.

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Diferente de antes, não acho mais que Bitcoin seja antes dinheiro que um simples software. Como condição de um software, ele pode se tornar obsoleto a qualquer momento. Quem não se lembra do Orkut ou MySpace? O dinheiro não pisca? Não solta bolinhas? Não tem problema! Logo virá uma altcoin para superá-lo que pisca e solta bolinhas. Uma utilidade super essencial para que se possa armazenar riqueza em longo prazo e se proteger de agentes agressores externos. E aí a altcoin que superar o Bitcoin que pisca e solta bolinhas não tem florzinha? Tudo bem também, logo virá outra que terá bastante florzinha e a gente migra toda nossa riqueza de novo, de uma forma bem suave e tranquila, num dump & pump para a nova moeda. Dessa forma nossa riqueza produzida e acumulada com tanto suor e trabalho fica num universo digital bastante estável e confiável.

Hoje especialmente, dia  1o de abril, também acho que quanto mais altcoins, mais descentralizado é o mundo crypto. De forma alguma um hipotético interessado em destruir o ecossistema de moeda digital descentralizada vai pensar em “dividir para conquistar” e tentar enfraquecer a moeda mais forte, espalhando mentiras e promovendo lixo. Que exagero pensar nisso! Quem segura e promove altcoins apenas quer um lucro rápido, fácil e com pouco trabalho; super normal. É apenas um pequeno atalho que não tem nada de imoral, como quase tudo que dá lucro rápido e fácil. O que importa é ganhar mais dinheiro, não é mesmo?

Como prova de que agora eu amo altcoins, vou listar aqui algumas das minhas preferidas:

Ethereum

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Sair de 4% para quase 18% de market share de janeiro a abril não é nada suspeito. É a prova viva de que esta lixoco…, ops, altcoin, vai superar o Bitcoin rapidinho. Associar-se a grandes corporações [2] já bastante enraizadas com importantes governos não é nada suspeito também. Também é bastante louvável o fato de que a moeda tenha o desenvolvedor principal bastante ativo e considerado praticamente um rei [3]. Inserir uma enorme complexidade no dinheiro também é algo bastante desejável, sem perigo algum [4] [6] [7]. É exatamente onde quero colocar toda minha riqueza, assim que o Bitcoin se tornar de repente obsoleto!

Também me tranquiliza bastante o fato de que um fork não consensual foi feito para salvar fundos “roubados”. Assim que um agente agressor achar que há algum problema basta uma pressãozinha e a comunidade pode julgar o  caso por livre e espontânea pressão e fazer um fork pra arrumar tudo. Forks desse tipo também são super bem vindos e são a prova de que não há nada a temer com isso. A divisão ETH x ETC foi super tranquila e não causou nenhuma confusão no mundo crypto. De repente os Ethers duplicaram magicamente e as pessoas tiveram que escolher por onde seguir [5]. Algo bem simples para uma pessoa comum. Podemos falsif… ops, forkar sempre, criando ETD, ETE, ETF, seria ótimo, quanto mais melhor! Ah! E o fato de que o ETC é o Ether original e o ETH é a falsif… ops, fork, também acho que não tem problema algum.

Compre Ether e ajude a enfraquecer o Bitcoin!

Dash

Essa aqui é uma das minhas preferidas. Primeiro que é um clone do Bitcoin, um fork no código. Adoro o fato de que ela se chamava “Darkcoin”, um nome que transparece bastante segurança e transparência. Também acho exagero dizer que o instamine [8] foi um golpe. A nova feature de deixar algo que já era anônimo o suficiente [9] mais anônimo ainda é impecável [10].

Conceitos como de nós super poderosos também não parece uma ameaça à descentralização. Afinal, quem precisa de tanta descentralização assim também? Talvez a descentralização do Bitcoin seja um exagero. Descentralizado demais, nem precisa.

Outro conceito que parece maravilhoso é o de “auto governança”:

In Dash, everyone has a voice and the ability to propose projects directly to the network. (…)

Imagina que maravilha? Democracia é algo infalível, já provou por A+B que é de longe o melhor sistema de governança. Reuniões de condomínios que o diga [11]! Aí é onde eu quero armazenar a minha riqueza em longo prazo. Um asset que muda de acordo com o humor dos usuários. Isso também deve ser super difícil ser manipulado por quem queira destruir a moeda.

Vcash

Vcash ainda vai ressurgir das cinzas, anotem! Próximo verão. Por favor, esperem sentados.

Decred

Essa moeda eu adoro porque ela tem um marketing incrível e pouco invasivo. Ela apenas paga um monte de idiotas úteis que ficam criando spam e FUD [1] em grupos de Bitcoin, algo completamente normal e saudável, que não levanta nenhuma suspeita moral.

Além disso, como a Dash e tantas outras, é uma moeda que promete ser “democrática”:

Decred is an open and progressive cryptocurrency with a system of community-based governance integrated into its blockchain.

Não vejo a hora de comprar um monte pra conseguir governar loucamente esse troço.

Litecoin

Um clone quase idêntico do Bitcoin, só que melhor. Ela evita que pessoas possam construir ASIC e a mineração seja mais acessível e distribuída. Parece exagero afirmar que se essa moeda tiver algum valor relevante no mercado fará com que a mineração fique concentrada nas mãos da Intel, uma das poucas fabricantes de chips super complexos capazes de minerar Litecoin de forma mais otimizada. Quanto mais complexo o algoritmo de mineração, mais descentralizado. Isso parece fazer bastante sentido, tanto quanto uma abelha que gosta de nadar.

Tantas outras

São tantas outras altcoins lindas e maravilhosas que nem cabem mais aqui neste post. É uma shitco… ops, altcoin mais linda que a outra!

Notas e referências

Bitcoin como metal precioso

Uma outra analogia interessante para explicar o que é Bitcoin, além da analogia de que Bitcoin é um pedaço de terra já descrita no artigo A fabulosa ilha Bitcoin, é a analogia de que Bitcoin é um metal precioso [1].

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Um metal que, assim como o ouro e outros metais preciosos, é muito escasso e bastante divisível. Só pode ter 21 milhões de unidades no máximo, sendo que cada unidade pode ser dividida em até 100 milhões de vezes. O processo de mineração também não é tão diferente de um metal: no início é mais abundante e fica cada vez mais difícil minerar ao longo do tempo.

Mas, diferente do ouro e outros metais preciosos, ele é bem feio. Na verdade, é quase invisível, pouco palpável, uma coisa meio esquisita. Apesar disso, ele tem uma característica que faz dele um metal extremamente útil para armazenamento de riqueza e muito mais atraente do que o próprio ouro: ele é teletransportável [2]. Ou melhor, é possível transportá-lo através da Internet. Em qualquer lugar do mundo em que a Internet possa chegar, o bitcoin poderá chegar em aprox. 10 minutos. Além disso, ele também pode assumir uma forma física (paper wallet ou Opendime™) e também ser armazenado em cofres, da mesma forma como o ouro e outros metais para que, no futuro, seja transformado em sua forma digital novamente, podendo ser então armazenado em celulares, computadores, e dispositivos próprios para tal, como o Bitcoin Trezor ou Ledger, por exemplo.

Parece coisa de filme, não? Uma mistura de Tron (1982) e The Matrix (1999). Pois é, o futuro chegou e o bitcoin está mudando completamente a forma como a riqueza mundial é armazenada e transportada.

Notas e referências

Museu do dinheiro em 2066

Este artigo iria se chamar “os prós e os contras do banimento de dinheiro em espécie para o sucesso do Bitcoin”, porém decidi fazer num formato um pouco diferente.tumblr_oius0wblt11uo3k2so1_540

Eu costumo criticar os utilitaristas utópicos em ficar tentando prever o futuro, imaginando uma sociedade perfeita e ideal, botando a bola de cristal pra funcionar. Como se não bastasse ser bizarro tentar prever o futuro, essa bola de cristal parece ainda bem quebrada e imprecisa. Quando falamos de uma sociedade que rejeita a agressão física sempre surge questionamentos como: “isso não daria certo”, “e as estradas?”, “e as pessoas más?”, “pra isso funcionar todo mundo teria que ser bonzinho” etc. Especulações mediúnicas totalmente sem sentido.

Apesar disso decidi botar a minha bola de cristal pra funcionar. Então, vamos lá.

Nota importante: este post não foi patrocinado por nenhuma empresa.


Ano de 2066.

– Papai, papai.

– O que foi, filhote?

– Nesse museu da história do dinheiro diz que já tentaram banir o dinheiro de papel, lá por volta de 2020, uns 50 anos atrás, é verdade?

– É verdade, filhinho. O pior de tudo é que conseguiram. Esse dinheiro de papel que usamos hoje não tem nada a ver com o dinheiro de papel daquela época. Você acredita que cada país usava um tipo de papel diferente? Na verdade, uma moeda inteiramente diferente. Toda vez que a gente ia pra algum outro país tínhamos que converter essa moeda numa casa de câmbio.

– Sério papai? Como assim?

– Sério Sérgio. Na verdade, ainda tem papel moeda em alguns países, nem todos aboliram o tipo de dinheiro que se usava naquela época.

– Hmmmmm. E, se não era como o nosso dinheiro, como era então?

– Serginho, se eu contar você não vai acreditar. Primeiro que não era de plástico flexível como o nosso, era de papel mesmo, papel papel. Daí o nome “dinheiro de papel”, mesmo sendo de plástico. Também era conhecido como “dinheiro em espécie” ou “papel moeda”.

– Aahhhh! Agora faz sentido esse nome.

– Pois é! E, pasmem! O pior está por vir: era um papel impresso, sem circuito eletrônico nenhum. Não era um Opendime v6 com Bitcoin dentro. Era um papel só, sem nada dentro. Difícil de explicar.

– Como assim papai? Como era possível? Não tinha nada dentro? Só um papel? Como eles sabiam que não era falso? Qualquer um podia imprimir então?

– Na verdade eles inventaram algumas coisas na impressão, como relevo, marcas d’água etc. que dificultavam um pouco a falsificação sim, mas não impedia. Mas o problema é que o próprio governo da época, nessa época que existia governo, falsificava oficialmente o dinheiro, imprimindo cada vez mais e mais, descontroladamente, gerando uma coisa que se chama “inflação”. E só o governo podia imprimir; ele tinha o monopólio da impressão. Se alguém fosse pego imprimindo era multa e cadeia.

– Como assim? Tinha um negócio chamado “governo” que podia ficar imprimindo dinheiro? Então esse coiso eu deduzo que era bem rico? Então o mundo todo na verdade era bem rico, já que era só imprimir mais e mais?

– Não não, Sérgio. Não funciona assim. Se você imprime dinheiro, é uma forma de falsificação. Isso significa que quem tem o dinheiro guardado terá um dinheiro que vale um pouquinho menos. Quanto mais imprime, menos vale cada nota de dinheiro. Na prática, as coisas, produtos e serviços, ficavam mais caros. O preço de tudo começava a subir. Isso era a “inflação”.

– Ué. Então por que as pessoas deixavam isso acontecer?

– Então. As pessoas confiavam cegamente nesse coiso chamado “governo”. Era uma espécie de religião. As pessoas realmente ficavam cegas. Elas acreditavam que era necessário essa entidade máxima, uma espécie de deus pagão para que tudo “funcionasse”. Eles usavam bastante esse termo “precisa ser assim pra funcionar”, seja lá o que eles queriam dizer com isso. Esse governo envolvia rituais misteriosos, crenças, ameaças de violência física e violência propriamente dita para que fosse possível enganar e controlar tanta gente.

– Nossa! Ma… Mas… Não existia o dinheiro na forma digital, como hoje?

– Sim. A maioria do dinheiro era digital. Mas, acredite se quiser: era apenas um número num banco de dados num sistema central. O que tornava muito mais fácil ainda a falsificação. Bastava quem controlasse esse sistema adicionar uns zeros a mais. As pessoas realmente não tinham noção do que estava acontecendo. Elas realmente acreditavam que, se todos fossem no banco ao mesmo tempo trocar a forma digital por física, todos sairiam com uma nota física. Quando, na verdade, as notas físicas representavam apenas uma pequena parcela do montante todo.

– Como assim “central”, pai? Sério isso? E como alguém confiava num troço desses?

– Sério, bebê. Seríssimo. Também não sei. Eu mesmo, pra falar a verdade, quando tinha a sua idade, também não entendia direito o que acontecia. Eles eram bem convincentes. E aprendíamos desde pequeno a respeitá-los. Mas tudo mudou bem rápido, ainda bem!

– Tá bom. Mas como então o dinheiro de papel foi um dia banido e como depois chegamos ao dinheiro Opendime v6, da forma como é hoje? Uma nota de plástico flexível com um circuito eletrônico impresso que pode ser verificado com exatidão matemática?

– Tecnologia, né meu filho? Em 2009 um maluco chamado Satoshi Nakamoto descobriu o Bitcoin, uma forma de ter aquele banco de dados com os saldos distribuída e confiável, sem controle central. Foi aí então que por volta de 2016 aconteceram duas coisas quase simultâneas que contribuíram para tudo andar rápido:

1) os governos começaram a banir o papel moeda. Começou na Suécia, depois Índia, Venezuela, Austrália, China, e por aí foi. Na verdade, eles queriam mais controle, e um jeito mais fácil de falsificar. Mas isso foi um tiro no pé absurdo. As pessoas tem a necessidade de algo físico; elas acreditavam que podiam trocar a forma digital pela física a qualquer momento. Era isso que mantinha a fé de muita gente no dinheiro da época. Se você tira isso, você começa a fazer as pessoas questionar o que é realmente o dinheiro. A população mais pobre também não tinha acesso a contas bancárias, cartões etc. e o dinheiro de papel sempre se fez necessário em diversas situações. Sem contar as pessoas que propositalmente não queriam ser controladas e vigiadas pelo governo. – E um problema desse banimento na época era que o governo finalmente conseguiu uma boa desculpa para banir também o Bitcoin. Se o Bitcoin não podia ser banido porque papel moeda também era anônimo, agora que não existia mais nada oficialmente anônimo, o Bitcoin podia ser banido porque estaria fora do controle governamental.

2) um outro maluco chamado Rodolfo Novak, um brasileiro aliás, conseguiu materializar de forma definitiva o Bitcoin no Opendime v1. Aquilo foi um sonho! Transformar uma coisa puramente digital, que era o Bitcoin, numa coisa totalmente física. Parecia coisa de filme. Foi então que esse aparelhinho foi aprimorando, na versão 2, depois 3 até chegar na 6, da forma como é hoje. E, você também não vai acreditar, eu é que mandei um twitter para o Novak sugerindo que a próxima versão fosse de plástico flexível. Tudo bem que demorou bem mais do que eu gostaria, mas finalmente o futuro chegou!

– Ah! Entendiii! Pai, pai, agora me dá 100 Satoshis por favor pra eu comprar um cappuccino?

– Claro!

Tiro do bolso então duas notas de 50 Satoshis cada e entrego pro meu filho.

– Tome Serginho, vai tomar o seu cappuccino.

Enquanto isso abro meu tablet e compro a principal revista de Tokyo em formato digital por 1.000 Satoshis.

 

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Por que poupar bitcoins?

Neste artigo eu faço uma breve comparação da moeda fiduciária centralizada estatal Real, do ativo físico privado distribuído ouro, do dinheiro eletrônico privado distribuído Bitcoin e outros dinheiros eletrônicos.

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O Real tem um marketcap muito maior que o Bitcoin [1] e isso traz enormes vantagens, como por exemplo: mais estabilidade, mais aceitação, entre outras. Além disso o Real é bem mais tradicional, tendo já 22 anos, enquanto o Bitcoin tem apenas 7. Há também uma lei de curso forçado [2] que obriga todo estabelecimento no território nacional a aceitar reais sob a pena de multas, violência física e prisão. Tudo isso empurra na marra a demanda pra cima, fazendo com que seu preço de mercado não perca tanto valor perante alternativas melhores, como o dólar ou ouro, por exemplo.

Tendo dito isso, as desvantagens do Real são também enormes: pra começar é uma moeda centralizada emitida por uma organização de moral duvidosa [3], o que já seria motivo suficiente para não usá-la. E, apesar do enorme marketcap, essa entidade central é capaz de imprimir muito, mas muitos reais mesmo, sem previsibilidade alguma, de acordo com o que ela julgar necessário. Isso pode ser chamado também de “falsificação de dinheiro”. A mesma entidade que força sob grave ameaça os estabelecimentos a aceitarem essa moeda criando uma demanda artificial também aumenta a oferta, imprimindo sem limites. Mesmo com a demanda forçadamente inflada, a oferta consegue ser ainda maior, gerando inflação e portanto perda constante do poder de compra para aquele que poupa a moeda. Isso cria um forte incentivo para que ninguém a poupe, o que também contribui para a sua desvalorização.

Já o Bitcoin tem como principal desvantagem ter um marketcap pequeno e portanto uma volatilidade grande. Outra desvantagem é que é uma moeda bem recente, ainda sem muita tradição.

Apesar disso, as vantagens são enormes. O Bitcoin corrige um bug gravíssimo do ouro: ele é teletransportável [4]. E, assim como o ouro, não é emitido por nenhuma entidade central. Sua segurança não se dá por agentes armados, mas sim por pura matemática e engenharia da computação [5]. Sua natureza de oferta previsível e limitada [6] também cria um forte incentivo para poupança, o que contribui para sua valorização quase certa em longo prazo.

E, de todos os dinheiros eletrônicos privados descentralizados, o Bitcoin é o mais tradicional, com maior infraestrutura de apoio, maior segurança (custo efetivo para atacar a rede), o mais sólido, mais utilizado, maior marketcap, entre outras inúmeras vantagens.

Notas e referências

  • [1] Marketcap é o preço de mercado de um ativo como um todo. É o número de unidades da moeda estimado x seu preço de mercado. O Bitcoin possui hoje (3/abr/2016) aprox. US$ 6.4 B e o Real US$ 1 T, aprox. 156 x mais que o Bitcoin (arquivado).
  • [2] Decreto 23.501 de 27 de novembro de 1933. Mais informações: curso forçado (arquivado).
  • [3] ROTHBARD, Murray N. A natureza do Estado. 2008 (arquivado) e O Estado, o agressor. 2009 (arquivado).
  • [4] LALLI, Felipe. O bug do ouro (arquivado).
  • [5] NAKAMOTO, Satoshi. Bitcoin: A Peer-to-Peer Electronic Cash System.
  • [6] O Bitcoin só terá ao longo da história no máximo 21 milhões de unidades, sendo cada uma delas divisível até a centésima milionésima parte. Pode-se dizer também que existem 2,1 trilhões de unidades inteiras. E, apesar da quantidade final (21 milhões) não poder ser aumentada, é possível alterar no futuro o algoritmo para que a moeda seja ainda mais divisível, caso necessário.

Veja também

A importância do Bitcoin OTC WoT

(…) Se você não tem uma conta WoT você não faz parte do ecossistema Bitcoin. Esse é o critério, não importa o que você possa achar. É onde todos olham, não importa o que alguma rede social tem dito pra você. Se você não está no WoT você não está no Bitcoin.

— MPOE-PR (relações públicas de Mircea Popescu) [1]

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Como identificar uma pessoa honesta num ambiente hostil?

O que é uma rede de confiança?

Uma rede de confiança (WoT – web of trust) é um grafo que estabelece uma relação de confiança entre duas partes, mesmo que elas não se conheçam previamente, através de ligações diretas ou indiretas.

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Fig. 1

Se uma imagem vale mais que mil palavras, veja como exemplo a Fig. 1.

Vamos supor que você seja a bolinha preta, as bolinhas azuis sejam pessoas honestas e as vermelhas são golpistas ou pessoas de caráter duvidoso. Podemos supor até que alguma das bolinhas vermelhas são apenas fake ou marionetes da bolinha C. Perceba como o ambiente é hostil! No exemplo, 40% dos usuários são desonestos. E no mundo do Bitcoin é possível que não seja tão diferente. Muitos golpistas e aproveitadores estão, infelizmente, infiltrados na comunidade, aplicando golpes de forma silenciosa e saindo ilesos.

Se analisássemos a figura de um ponto de vista neutro, sem conhecer ou confiar em nenhuma pessoa do cenário, é até possível que possamos deduzir, de forma errada, que C fosse uma boa pessoa. Afinal, o usuário C tem +23 pontos no total. Porém, basta que você conheça UMA pessoa no sistema para poder fazer uma análise mais precisa sobre a idoneidade de alguém. No exemplo, você conhece A e mais uma outra bolinha.

Se você tem um grau direto de confiança com A de +5 (numa escala de -10 a +10, sendo zero neutro) fica fácil deduzir que, se A tem uma relação de (des)confiança direta com C de -3, C não pode ser uma boa pessoa. Falando mais formalmente, você tem uma relação de L1=0 e L2=-3 em relação a C, mesmo sem conhecê-lo diretamente. Isso significa que em primeiro nível (L1 / level 1) você é neutro em relação a C (pois não o conhece, daí a nota zero), mas em segundo nível (L2 / level2) você é -3 (através de A).

É aquela velha máxima: o amigo do meu inimigo também é meu inimigo. Sendo assim, mesmo num ambiente com poucos usuários e onde 40% são golpistas, foi fácil desmascarar uma rede toda de golpistas infiltrados.

Vamos calcular aqui outras relações de confiança usando como exemplo a Fig. 1.:

  • você tem relação de confiança L1=+5, L2=+2 em relação a A.
  • A tem relação de confiança L1=0, L2=0 em relação a você. Isso significa que ele não te conhece o suficiente ou é neutro em relação a você. Note que você pode confiar em alguém que não tem uma opinião formada sobre você. A reciprocidade não é regra numa relação de confiança.
  • você com BL1=0, L2=+3.
  • B com você:L1=0, L2=0.
  • A com CL1=-3, L2=0.
  • C com BL1=0, L2=-10.
  • B com A: L1=+4, L2=+1.

Veja um exemplo real entre o usuário felipelalli e mircea_popescu:

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Fig. 2

A Fig. 2 mostra que felipelalli tem uma relação L1=+5, L2=+10 em relação a mircea_popescu.

O que é o Bitcoin OTC WoT?

Bitcoin OTC WoT é uma rede de confiança formal [6].

Uma rede de confiança apenas estabelece a relação de confiança entre duas partes, mas isso pode existir de diversas maneiras.

A maneira mais comum é através de uma rede informal, no boca a boca, formada pelos nossos contatos cotidianos, nosso amigos, familiares e pessoas de confiança. Quem nunca pediu a indicação de um amigo especialista ou pessoa de confiança para contratar alguém? Quando queremos trabalhar em algum lugar, também não pedimos indicação? Ou quando queremos trocar a empresa com a qual estávamos acostumados a comprar algum produto, também sempre procuramos as referências.

Uma rede de confiança informal já é extremamente poderosa. Imagine então uma rede de confiança formal. Ela é formal porque tudo é feito através de contratos e assinaturas digitais, abrindo possibilidades incríveis e poderosas para contratos sólidos e inteligentes.

O sistema Bitcoin OTC WoT é open source e funciona de forma centralizada através de um bot (robô) chamado gribble que fica no canal #bitcoin-otc do IRC no servidor Freenode. É baseado em assinaturas digitais e suporta tanto GPG como assinaturas com endereços Bitcoin.

Apesar do sistema ser centralizado, sua natureza é descentralizada, i.e., devido ao fato de ser baseado em assinaturas digitais não é possível que o criador ou mantenedor do sistema altere qualquer nota sem que isso não fosse facilmente notável. Além disso, o banco de dados do sistema é público, e qualquer um pode fazer backup a qualquer momento, ou até mesmo extrair a informação para criar outros sistemas.

O Bitcoin OTC WoT tem atualmente mais de 6 mil usuários e existe desde o início do Bitcoin (mais precisamente novembro de 2010), sendo assim o sistema mais tradicional existente no mundo do Bitcoin.

Alternativas

Por ser centralizado e suscetível a falhas (como aconteceu de fato quando o gribble ficou fora do ar por um tempo), Mircea Popescu e alguns frequentadores do canal #bitcoin-assets (turminha do barulho™) acharam que seria interessante criar uma alternativa [3]. E foi aí que surgiu a rede Btc Alpha WoT que é gerida pelo assbot, uma alternativa ao gribble e que habita no canal #bitcoin-assets. Ele é um fork do Bitcoin OTC WoT [4] e a partir do fork tem sua rede independente de notas. Veja aqui o navegador de sua rede: http://www.btcalpha.com/wot/

Compare, por exemplo, o usuário felipelalli na rede Bitcoin OTC WoT e na rede Btc Alpha:

O mais interessante disso tudo é que, como os sistemas são baseados em assinaturas digitais, mesmo que existam outras alternativas no futuro, ainda seria possível integrá-las totalmente. Se um dia surgirem várias redes de confiança, todas podem ser unidas pelas chaves GPG ou endereços bitcoins em comum.

E por que é importante?

Mircea Popescu define de forma genial a diferença entre estar ou não no WoT:

quem faz parte são os cidadãos civilizados, e quem está fora, os bárbaros [5].

Essa analogia é perfeita porque isso não implica que não possam existir bárbaros honestos ou cidadãos desonestos, mas implica que quem faz parte do WoT aprecia a civilidade. E fica evidente que para um desonesto é mais fácil se esconder sob a manta da ignorância de um bárbaro.

Depois de explicar como funciona uma rede de confiança, suas vantagens ficam latentes. Fica até redundante e repetitivo, mas vou listar e explicar algumas:

  • Redução do problema das incógnitas [2].
  • Segurança no mercado P2P (OTC) e negócios B2B e B2C.
  • Criar contratos digitais sólidos e confiáveis [10], sem a necessidade de utilizar sistemas monopolistas e corruptos como cartórios ou governos.
  • Privacidade / anonimidade.

Segurança

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Ao iniciar qualquer negociação com um estranho – principalmente aquele conhecido apenas na Internet – qual é a garantia de que sua contraparte honrará o combinado? O WoT responde bem a pergunta: “quem é você?” de forma mais concreta, te dando uma segurança maior.

As garantias no WoT são aqueles que você já confia e que também confiam nele. O voto de cofiança formal é também uma responsabilidade. Se alguém faz abuso do WoT confiando em qualquer um, sem uma análise mais cuidadosa, essa pessoa pagará por isso perdendo sua própria confiança com o tempo. Se alguém for lesado, essa pessoa tirará satisfações com essa pessoa que ela confiou e que indicou o golpista. Isso pode acarretar em uma mudança drástica nas notas e nas relações de confiança de todos os envolvidos, isolando e expulsando os atores ruins.

E, o mais importante de tudo, é a possibilidade de fazer contratos sólidos como descrito mais abaixo. Contratos digitalmente assinados e publicados no Blockchain são a prova definitiva de que tal acordo ou declaração foi feita.

Liberdade

O Bitcoin OTC WoT nada mais é que um tipo de regulamentação privada e descentralizada. Utilizar uma infraestrutura assim é declarar independência ao velho e ultrapassado modelo governamental. É claro que você ainda pode recorrer a sua justiça local, e com o WoT será muito mais fácil provar toda a fraude; mas o ponto é que isso se torna opcional. Num acordo formal você pode definir os arbitradores, alguém de confiança das duas partes, por exemplo, definir as garantias e possíveis punições.

E o que é o Bitcoin senão declarar independência do velho sistema? Se os players do Bitcoin puderem ser reconhecidos de forma civilizada [5] todo o sistema independente está montado.

Contratos sólidos

stampUm contrato sólido [10] precisa: 1) ter uma prova concreta de que o acordo existiu em determinado momento. 2) que as partes “sejam alguém” e a certeza de que quem assinou foram esses alguéns.

O Bitcoin é tão inovador que o item 1 simplesmente não era possível antes de sua existência [7]. Desde 2009 é possível que se comprove a existência de uma informação de forma concreta e precisa [8].

OK. O Bitcoin resolve o item 1. Mas e o item 2? Eu posso simplesmente criar um par de chaves hoje, do nada, e assinar um contrato prometendo mundos e fundos. O que garante que eu não vou dar o cano e amanhã criar uma chave nova? E sair ileso dessa?

O WoT resolve o problema de “ser alguém”. Se eu sou alguém e tenho uma reputação a zelar, mesmo que eu fosse uma pessoa má, eu não colocaria em jogo toda a minha reputação conquistada para aplicar um golpe e me tornar um bárbaro no dia seguinte (a não ser é claro, se fosse um golpe “gran finale”, último e derradeiro).

Ser alguém é importante num contrato. Seja alguém, não seja um Zé Ninguém.

Privacidade

Revelar sua identidade no Bitcoin OTC WoT é opcional. Você pode utilizar um nome de usuário inédito e não associar em nenhum momento sua real identidade com esse usuário. O que importa é a entidade que terá uma assinatura criptográfica válida: você pode usar esse usuário para negociar e/ou conquistar a confiança de outros usuários, e isso basta.

Rebatendo críticas ao sistema

Quando eu falo do Bitcoin OTC WoT na comunidade brasileira sempre aparece um ou outro derp propagando desinformação ou criticando o sistema. Por causa disso achei necessário rebater as principais críticas neste capítulo.

“É fácil sacanear um WoT”

Não é [9]. Como explicado antes e exaustivamente em [2] não existe uma “reputação global”. O que existe é uma relação de confiança entre uma parte e outra, que pode mudar drasticamente ao se observar de um ponto de vista diferente no sistema. O que existem são círculos de confiança. Pessoas más podem criar um clubinho e confiar entre si. O que importa é pra onde sua confiança aponta primeiro.

O WoT é seguro e útil mesmo num ambiente hostil, e é isso que o torna poderoso.

“Ninguém usa o Bitcoin OTC WoT”

Usa sim. No mundo todo são mais de 6 mil usuários importantes, com pessoas de peso na comunidade. E, mesmo que argumentar que ainda assim é pouco, eu digo: quantidade é irrelevante num sistema WoT. Os civilizados estão lá, e é isso que importa.

Como na Fig. 1, mesmo com apenas 10 usuários numa rede de confiança já é possível identificar os golpistas e separar o joio do trigo. Além disso, a rede de confiança se estende para o mundo informal. Pequenos usuários ou pequenos negociadores bárbaros [5] eventualmente podem se apoiar na confiança informal de alguém que esteja no sistema.

É possível também, por exemplo, que alguém de dentro do sistema faça uma declaração digitalmente assinada recomendando ou não alguém de fora. Exemplo: “Eu declaro que confio no bárbaro Zé Ninguém” ou ainda: “Eu declaro que se o Zé Ninguém um dia fizer parte do WoT, minha nota será -10”.

A frase “ninguém usa o Bitcoin OTC WoT” pode ser traduzida para “nenhum idiota do meu círculo de amizades idiotas usam Bitcoin OTC WoT”.

“É muito difícil utilizar o Bitcoin OTC WoT”

Numa primeira vista pode até parecer, mas não é tanto assim. Em poucos passos você consegue criar uma nova conta e, depois, na autenticação do dia a dia fica ainda mais fácil.

Os pré-requisitos pra conseguir são: saber ler ou conhecer alguém que possa te ajudar. É desejável conhecimento de: 1) IRC e 2) assinaturas digitais, de preferência GPG ou com endereços Bitcoin. – Mas, mesmo se não souber esses dois últimos itens, não há nada que o Google não possa resolver em poucos minutos.

O IRC é moleza. O IRC é um protocolo de chat (quem nunca usou chat?) e existem diversos clientes em diversas plataformas, de todos os gostos e tipos. – E o GPG é necessário de qualquer forma se você quiser fazer contratos digitais sólidos [10]. Para os leigos, pode ser a parte mais difícil. Todavia, para quem quiser começar a usar o sistema, basta que saiba assinar com um endereço de Bitcoin. Quase toda carteira de Bitcoin hoje em dia é capaz de assinar e verificar mensagens.

Lembre-se: a desculpa do aleijado é a muleta. Se você julgar o sistema importante o suficiente, você vai conseguir.

Easter egg escondido: se você for realmente preguiçoso, tente usar o Bitcoin OTC WoT para preguiçosos feito em Java.

Exija que sua contraparte tenha OTC WoT na sua próxima negociação

Como demonstrei neste artigo, uma pessoa só se opõe a fazer parte de uma rede de confiança formal nestes casos: 1) por ignorância 2) por preguiça 3) porque é um golpista em potencial.

Lembre-se: uma rede de confiança é o pesadelo de pessoas com desvio de caráter.

Na sua próxima negociação exija que a sua contraparte tenha uma conta no Bitcoin OTC WoT e que tenha boas indicações. Para grandes quantias ou negócios mais arriscados, aumente a exigência, como por exemplo um L2 >= 3 ou L2 >= 5. Analise com cuidado os depoimentos da pessoa e a reputação das pessoas que a qualificaram. Exija contratos digitais publicados no Blockchain. É a única forma efetiva de se proteger num ambiente hostil e desregulamentado. Na verdade, como dito antes, isso é uma regulamentação, mas privada.

E, se a pessoa ou empresa recusar sua exigência, lembre-se: ela é ignorante, preguiçosa ou golpista, então caia fora, procure alguém melhor, você merece mais.

Notas e referências


dedico este artigo aos meu amigos Douglas Castro e Bingo Boingo